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sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO E DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL

INTRODUÇÃO O Estado Brasileiro mergulhou no Século XX com profundas fissuras na sua base social e atravessou as últimas décadas sem solucionar as questões daí advindas. Como produto das costuras políticas das elites, o Brasil nunca se preocupou com a questão da exclusão social. Basta um passar de olhos pela História para se verificar que a República só surgiu em decorrência da abolição da escravatura, provocada pela elite econômica que se viu prejudicada. Engana-se quem pensa ter criado, Getúlio Vargas, o chamado “Pai dos Pobres”, uma política social. Até mesmo a legislação trabalhista outorgada por Getúlio, fincada em princípios rígidos herdados das ditaduras européias, produziu um atraso de mais de trinta anos no movimento do proletariado. Basta verificar que o peleguismo, as disfunções do Direito Sindical e a estrutura da Justiça do Trabalho resistiram durante todo o século, e só apresentaram sinais de exaustão na última década. Dando continuidade à política de Getúlio, a Revolução Militar de 64 procurou implantar no País uma administração gerencial (Decreto-lei 200), flexibilizando a rigidez do modelo existente. Não conseguiu, entretanto, vencer a sedimentada burocracia administrativa, até que, em 1990, surge o desmanche da Era Getuliana. Nesse contexto histórico, o Judiciário teve um desempenho de agradável convivência com o Poder e acomodou-se dentro de uma estrutura arcaica, excessivamente burocrática e sem questionar o alcance de suas respostas no âmbito social. Enfim, esteve em sintonia com o Estado, ao prestar a jurisdição considerada a melhor para os interesses das oligarquias dominantes, assim como para os do próprio Estado. A partir de então, inicia-se a mudança na estrutura social, com a saída dos militares do cenário político e a promulgação de uma nova Carta com o de mais moderno existente na Europa. Forjada sob a égide do “Estado do bem-estar social”, a Carta preservou a liberdade e a cidadania. Entretanto, o Brasil tem, hoje, dificuldade de fazer cumpri-la, em razão da fúria econômica do neoliberalismo. Chamado a fazer cumprir as políticas públicas constantes dessa Carta, e a braços com a estabilidade econômica, seriamente abalada pela fluidez e mobilidade do capital apátrida, tem o Estado como preocupação maior arrecadar e, ainda, conter o jogo econômico do capital global. Na consecução dos seus objetivos, encontra o Estado dificuldades em encetar sua “gulosa” política fiscal, em razão dos direitos e garantias individuais, constitucionalmente protegidos. Assim o Poder Judiciário sofre reflexo direito do descompasso entre as diretrizes constitucionais que sinalizaram os objetivos do País, e a política econômica necessária para honrar os compromissos no âmbito internacional e manter em funcionamento a máquina estatal. Porém, diante do compromisso com a Constituição, vai o Judiciário aos poucos deixando a parceria governamental, principalmente porque, além da cobrança da Nação, por meio da mídia, sofre cobranças internas nas suas próprias bases, proletarizado pela abertura do ensino universitário e democratizado pelos concursos públicos. A CF/88 colocou o Poder Judiciário dentro de um contexto político extremamente delicado: atribuiu-lhe mecanismos moderníssimos para romper as amarras com os demais Poderes e emergir como a terceira e grande força de um mundo novo, veloz e democrático - onde o Estado vai perdendo a supremacia para colocar-se, efetivamente, a serviço da Nação -, mas manteve a instituição Estado-Juiz atrelada a uma estrutura arcaica, burocrática e incompatível com as suas competências e a velocidade da vida moderna. Incapaz de atender aos reclames dos cidadãos, e sem parcerias com os demais Poderes, consegue o Judiciário desagradar a todos. Seus integrantes são conscientes da impotência, mas não sabem o que fazer para sair desta armadura estrutural. Dessa forma, no afã de vencer as dificuldades econômicas, o Estado-Administrador encontra dois grandes óbices: os direitos fundamentais garantidos constitucionalmente e o Poder Judiciário que se colocou, nos últimos anos, a serviço da Nação. Para vencê-los, o Estado passa a encolher os direitos e garantias individuais por leis, negociadas no espaço legislativo de seu domínio, enquanto busca frear o Judiciário; investe na tradicional morosidade da instituição, usando das normas processuais, pródigas em recursos; exerce rígido controle político na formação dos órgãos de cúpula (Tribunais Superiores) e fomenta o descrédito do Judiciário perante a Nação. Tentarei mostrar, menos como “expert” do assunto e mais como aplicadora da lei, como está sendo tratada a responsabilidade daqueles que alimentam a máquina fiscal – os empresários como sócios. 1.0 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA O tema tem sido um dos institutos mais controvertidos para os estudiosos do Direito Tributário, encontrando-se farta doutrina sobre o assunto. A presente está limitada a uma visão jurisprudencial, com matizes doutrinárias, como não poderia deixar de ser. O Código Tributário Nacional estabelece com precisão, no seu art. 121, a diferença entre contribuinte e responsável, chamando ambos de SUJEITO PASSIVO. A figura do responsável se estabelece por ser ele o substituto do contribuinte, pelos motivos os mais diversos, ou por transferência, quando a lei impõe a terceira pessoa assumir a obrigação do contribuinte. Em outras palavras, transfere-se, por força de lei, o DEVER JURÍDICO. A diferença entre o responsável por substituição, e o responsável por transferência é que, no primeiro, SUBSTITUIÇÃO, existe o contribuinte que é poupado pela lei, enquanto no segundo, TRANSFERÊNCIA, não há contribuinte, porque a lei transfere o DEVER JURÍDICO para outrem. A lei, em última análise, aponta o responsável pelo pagamento ao Fisco, não sendo válidas regras de responsabilidade estabelecidas em normas contratuais (art. 123 do CTN). Os contribuintes não podem estabelecer cláusulas negociais para afastar a própria responsabilidade, embora não lhes esteja vedada a prática de atos jurídicos compatíveis com carga tributária menos gravosa. São as práticas chamadas elisivas, que estão cada vez mais restritas por força de uma legislação “gulosa”, preconceituosa e episódica, como sói acontecer com a Lei Complementar 104/2001. Porém, o ponto mais importante no tema RESPONSABILIDADE surge pela imputação a terceiras pessoas, destacando-se como norma de regência os arts. 134 e 135 do CTN. O primeiro contempla genuína hipótese de responsabilidade concorrente: do contribuinte, precipuamente e de outrem, o responsável, na impossibilidade de exigir-se do contribuinte. Portanto, não há solidariedade alguma como diz a lei, mas concorrência entre o contribuinte e o responsável, esse nas pessoas elencadas nos incisos do artigo, dentre os quais está o sócio. Para que se impute a responsabilidade de terceiro, nos termos do art. 134, indispensável a conjugação dos seguintes requisitos: 1º) tratar-se de sociedade de pessoas; 2º) não mais existir a sociedade que se liquidou regular ou irregularmente; 3º) não ser possível exigir-se o cumprimento da obrigação tributária do contribuinte, a pessoa jurídica; e 4º) existir ação ou omissão do sócio quanto ao fato gerador da obrigação tributária. Sem a concordância dessas quatro situações, não se pode imputar a responsabilidade do sócio, responsabilidade eminentemente tributária. Portanto, só pode incidir a multa moratória, nunca a multa punitiva, nos termos do art. 134, parágrafo único do CTN. Uma indagação se faz pertinente, visto ser questionada nos Tribunais: trata-se da dissolução irregular da sociedade. Tem-se entendido que o não-cumprimento das obrigações tributárias pela sociedade irregularmente dissolvida, enseja a aplicação da presunção de responsabilidade dos seus sócios e administradores porque, infringe a lei. Em excelente estudo sobre o tema, o Dr. Eduardo Fortunato Bim defende a impossibilidade de se imputar aos sócios a responsabilidade pela irregular dissolução da sociedade. Entendo deve ser mantida a presunção em desfavor do sócio, mas admitindo-se prove ele que não se houve dolo ou culpa – presunção juris tantum. Nesse sentido, a posição do STJ, pelo voto do Min. Milton Luiz Pereira: TRIBUTÁRIO - SOCIEDADE REGULARMENTE DESCONSTITUÍDA - RESPONSABILIDADE DO SÓCIO - ARTIGOS 134 E 135, CTN. 1. CONQUANTO A JURISPRUDÊNCIA ORIENTE QUE OS "SÓCIOS-GERENTES" SÃO RESPONSÁVEIS PELA DÍVIDA TRIBUTÁRIA RESULTANTE DOS ATOS PRATICADOS DURANTE A SUA GESTÃO, AFASTA-SE DESSA COMPREENSÃO QUANDO O SÓCIO, CONFORME REGULAR ALTERAÇÃO CONTRATUAL, DEIXOU A SOCIEDADE ANTES DA INATIVAÇÃO OU PARALISAÇÃO DAS ATIVIDADES SOCIAIS. SOMENTE PODE RESTAR RESPONSABILIDADE EM CASO DE FALÊNCIA (DEC. LEI 7.661, ARTS. 50 E 51, PARAGRAFOS 5. E 6.). 2. RECURSO IMPROVIDO. (REsp. 74.877/RS; 1ª Turma; Unânime; DJ de 11/03/96) Não se trata, como diz o Dr. Eduardo Bim, de promíscua interferência entre interesses público e fazendário. Trata-se de estabelecer exegese que imputa ao sócio o ônus de provar se houve com correção absoluta, sem cometimento de nenhuma das infrações desenhadas no art. 137 do CTN. Não é ficção, nem presunção jure et de jure. É presunção que admite prova em contrário, cabendo ao sócio ou administrador exercer a sua defesa, como consagrado na jurisprudência do STJ: I - PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. Antes de se imputar a responsabilidade tributária, é necessária a prévia citação do sócio-gerente, a fim de que seja possível o exercício do direito de defesa. (REsp. 236.131/MG; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; 1ª Turma; Unânime; DJ de 13/11/2000) Assim e, em conclusão, quando a empresa se extingue de forma irregular deixando dívidas, presume-se responsável solidário e pessoal o sócio. Mas esta responsabilidade pode ser afastada, sendo este o seu ônus. 2.0 RESPONSABILIDADE PENAL Dentre as tendências da pós-modernidade, está a de desregulamentar, descentralizar e descriminalizar condutas. No Brasil, em descompasso com esta tendência, surgem tipos penais exóticos, inteiramente dispersos de uma base ontológica, a servir ao aparato arrecadatório do Estado. A ineficiência dos controles administrativo-fiscal, a lentidão da Justiça e a cultura antifiscal da sociedade brasileira, aliada à insaciável necessidade de fazer caixa para cumprir os compromissos internacionais, levou o legislador à criminalização indiscriminada. 3.0 CRIMES TRIBUTÁRIOS E ILICITOS TRIBUTARIOS Os crimes tributários, ou crimes de “colarinho branco”, no Brasil, não se constituem em privilégio dos grandes empresários ou contribuintes de alta riqueza. Atestam os Tribunais a existência do tipo entre pequenos e médios empresários, o que não se constitui em excepcionalidade, tendo em vista o peso da altíssima carga tributária sobre as pessoas físicas ou jurídicas, estimada em cerca de 34% do PIB. Há de ressaltar, ainda, a prática reiterada de sonegar receitas, seja com condutas elisivas que o Fisco tenta podar, seja com o cometimento de infrações à legislação tributária, mesmo enfrentando o risco de autuação, com pesadas multas. O Fisco tem encetado como política arrecadatória a criminalização de condutas que não passam de ilícito administrativo-tributário, com o objetivo de coibir as práticas de sonegação. Chama a atenção o rigor formal do legislador, em defesa do Fisco, e em detrimento a um relevantíssimo aspecto: a natureza ontológica de um ilícito que se transforma em crime pela só vontade do Estado Legislador. Observa-se, dentre as tendências do novo modelo social do Estado Moderno, a desregulamentação, a descentralização e a descriminalização de conduta, vertentes destinadas a tornar o Estado menos pesado, e a deixar para as regras sociais de conduta a incumbência de, por si só, comandarem a reprovabilidade. Assim, repito, mercê da tendência à descriminalização, o Estado Brasileiro, na contramão da história, tem tipificado como crime condutas que não passam de um ilícito tributário. A objetividade dos textos legislativos não deixa outra idéia senão a de ter o Estado, por escopo colocar em situação vexatória o contribuinte, para fazê-lo pagar o débito cobrado como tributo. Dentro de um universo rico em casuísmos, exceções e controvérsias doutrinárias, destaco, nesta oportunidade, três questões ensejadoras de constantes demandas: a denúncia genérica nos crimes societários; a tipicidade nos crimes de sonegação fiscal; e, por fim, a apropriação indébita dos tributos indiretos, cujo mecanismo de arrecadação enseja a existência de dois contribuintes: o que paga, chamado de contribuinte de fato, e o que recebe para depois recolher aos cofres públicos, o contribuinte de direito. Inicio pelo tema referente à precisão da denúncia nos chamados crimes societários. Em princípio, admitiu a jurisprudência a denúncia genérica. Esse entendimento levava, muitas vezes, à absolvição, pela dificuldade em se estabelecer, ao final, a autoria de cada uma das fases delitivas; por outro lado, facilitava o Ministério Público e dificultava sobremaneira a defesa. Coube ao STJ inaugurar uma nova linha de entendimento, seguida pelo STF. Anote-se, dentre os primeiros julgamentos no STJ, o HC 8.258/PR, relatado pelo Ministro José Arnaldo da Fonseca, da 5ª Turma, DJ de 06/09/1999, do qual destacamos: “1. Nos chamados crimes societários é imprescindível que a denúncia descreva, pelo menos o modo como os co-autores concorreram para o crime. 2. A invocação da condição de sócio, gerente ou administrador, sem a descrição de condutas específicas, não basta para viabilizar a peça acusatória, por impedir o pleno direito de defesa.” No STF, colhe-se adesão em inúmeros julgados, dos quais cito o HC 80.876/RJ, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão: HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PELA PRÁTICA DOS CRIMES DOS ARTIGOS 4.º E 5.º DA LEI N.º 7.492/86 (GERÊNCIA FRAUDULENTA E DESVIO DE BENS OU VALORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA). INDEFERIMENTO DE WRIT POR ACÓRDÃO QUE TEVE POR VÁLIDA IMPUTAÇÃO GENÉRICA DO CRIME, SEM PARTICULARIZAÇÃO DA CONDUTA DOS AGENTES, CO-AUTORES E PARTÍCIPES. Descabimento da acusação, se patenteado que o paciente jamais exerceu a gerência ou direção da empresa, de cujo quadro social nem sequer participava quando ocorreram os fatos delituosos. Inexistência, ademais, de qualquer prova de haver-se beneficiado do alegado desvio de recursos. Habeas corpus deferido para o fim de trancar a ação penal com relação ao paciente, por falta de justa causa. Observa-se, pela evolução da jurisprudência, que o contribuinte tem obtido no Judiciário maior espaço para se defender de um Estado “guloso” e “teimoso” em não patrocinar a reforma tributária, além de impor um brutal arrocho fiscal, sob o signo da criminalização. O segundo destaque a ser feito é para o crime de sonegação fiscal e sua tipicidade lógica. O questionamento reside, no tipo do art. 1º da Lei 8.137/90; o agir do contribuinte, levado à suspensão ou redução do tributo, é crime de mera conduta ou crime de resultado? Se de mera conduta, temos, independente do que se possa identificar como supressão ou redução no pagamento do tributo, a só intenção do contribuinte em agir com o intuito de não pagar é considerado crime. Se crime de resultado, somente será possível imputar-lhe a autoria da sonegação, se efetivamente o seu proceder resultar em supressão ou redução no pagamento do tributo, conclusão só obtida quando da finalização do procedimento fiscal. Ademais, o art. 83 da Lei 9.430/96 afirma: o Ministério Público só pode ser noticiado pelo Fisco, para efeito de deflagração da ação penal, quando finalizada a apuração na esfera administrativa. Resiste o Ministério Público em aceitar a lei e a ordem natural das coisas, e sustenta ter criado o legislador condição de procedibilidade para o seu agir, o que é inadmissível. Considera o parquet que os intermináveis processos administrativos e seus inúmeros recursos levariam à impunidade, pela prescrição. Porém, este argumento não justifica a antecipada criminalização de conduta. Há, em andamento, no Congresso, a PEC 175/1995, que prevê no § 4º do art. 1º: ninguém será processado por crime contra a ordem tributária, antes de encerrado, na via administrativa, o processo respectivo. O projeto, entretanto, não consegue prosperar. Também aborda o mesmo tema o Projeto de Lei Complementar 646/99 – Código de Defesa do Contribuinte –, cujo escopo é proteger o contribuinte da “gula” fiscal, repetindo princípios, direitos e garantias já previstos na Constituição e no próprio CTN, mas de interesse evidente para quem, se sentindo espoleado pelo Estado, tem relação desrespeitosa para como o aparelho arrecadador. O CDC seria uma espécie de resgate do respeito a quem sustenta a mais importante das receitas estatais, pela segurança quanto aos direitos do contribuinte, enquanto se limitaria à atuação fiscal. A antiga jurisprudência do STJ chegou a ostentar julgados em favor do entendimento esposado nos projetos de lei. Todavia, voltou atrás, quando o Ministério Público Federal passou a se colocar sistematicamente contra o que chamou de condição de procedibilidade. Nesse aspecto, vem o contribuinte perdendo espaço para o Fisco. O último questionamento diz respeito à extinção da punibilidade do crime de APROPRIAÇÃO INDÉBITA, em razão do parcelamento. O art. 168-A da Lei 9.983/2000 introduziu um tipo específico ao crime de apropriação indébita, previsto no art. 168 do Código Penal, e denominou-o, APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. A partir de então, ficou evidenciado o uso da tipificação delitiva, pelo legislador, para o só efeito de arrecadação, visto que: 1) prevê a extinção da punibilidade pelo pagamento antes do início da ação fiscal (§ 2º, art. 168-A); 2) faculta ao juiz a não-aplicação da pena, se o pagamento foi posterior à instauração do procedimento fiscal, mas antes da denúncia (§ 3º, I, art. 168-A) Assim, o art. 14 da Lei 8.137/90, bem como o art. 34 da Lei 9.249/95, têm ensejado questionamentos. Ambos falam em promover o pagamento. Mas, afinal, o que é promoção de pagamento? Para o STF, promover o pagamento não significa prometer pagar, e ostenta a posição de que o parcelamento não extingue a punibilidade. O STJ entendia que o parcelamento extinguia a punibilidade, depois, adotou a mesma posição do Supremo. Entretanto, bem recentemente, voltou atrás para adotar a posição inicial, em divergência, portanto, com a Corte Maior. No RHC 11.598/SC, julgado pela Terceira Seção, em 08 de maio de 2000, deu-se a mudança da jurisprudência, após acirrados debates, os quais levaram ao acórdão que recebeu a ementa seguinte: CRIMINAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. OMISSÃO DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARCELAMENTO ANTERIOR À DENÚNCIA. DESNECESSIDADE DO PAGAMENTO INTEGRAL. RECURSO PROVIDO. I. Uma vez deferido o parcelamento, em momento anterior ao recebimento da denúncia, verifica-se a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei n. 9.249/95, sendo desnecessário o pagamento integral do débito para tanto. II. Recurso provido para conceder a ordem, determinando o trancamento da ação penal movida contra os pacientes. Prevaleceu o entendimento de que a manifestação concreta do contribuinte, no sentido de reconhecer a sua obrigação e se dispor a saldá-la, mesmo de forma parcelada, única modalidade possível para ele, afasta a justa causa para uma ação penal. Para o STJ, a expressão PROMOVER, usada pelo legislador, equivale à intenção concreta de pagar, e o parcelamento é a prova cabal desta intenção. Na tentativa de justificar a posição, argumentou o relator, Ministro Gilson Dipp, que o parcelamento consiste em uma espécie de novação, pois extingue a anterior obrigação, e faz surgir uma nova. Assim, altera a natureza jurídica da relação de tal forma a não mais se poder nela inserir o antigo conteúdo criminal oriundo da relação extinta. Resolve-se, a querela, daí por diante na esfera cível. Observa-se, no reforço argumentativo, a nítida intenção de conduzir o problema para o seu leito verdadeiro, ou seja, o afastamento da infração da esfera penal para a cível. Aspecto relevante no precedente foi a posição assumida pelo Ministério Público. Em seu parecer, favorável ao contribuinte, enfatizou o parquet aspecto social da lei penal, cujo rigor não tem concorrido para melhorar as condições de vida da sociedade brasileira. Ora, o encarceramento de empresários em débito com o Fisco soa em descompasso numa comunidade que se sente agredida em sua cidadania, com criminalidade exacerbada na área da segurança pública. Afinal, pugna-se por um equilíbrio entre crime e castigo. Outro aspecto destacado, com ênfase, no voto condutor do acórdão, foi a questão do REFIS da Lei 9.964/2000. Pela norma, o parcelamento suspende o processo até o cumprimento da obrigação por inteiro, o que pode ocorrer até o espaço de trinta anos. A lei mostra claramente a disposição do legislador em criminalizar para promover a cobrança, o que nos parece uma demasia. Daí a intervenção do Poder Judiciário conduzindo os fatos para o seu caminho natural.

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