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segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Lei

Lei (Direito) Divina na origem e tradicionalmente ditada por soberanos ou reis, a lei -- pedra angular da organização de todas as sociedades humanas -- foi dessacralizada e passou a ser promulgada por representantes do povo. Lei é a norma jurídica vigente numa coletividade. Tecnicamente, pode-se definir lei como a regra de direito emanada da autoridade legítima do estado. Denomina-se direito o conjunto de normas, amparadas por uma coação social organizada, que regula as relações sociais. Norma é um enunciado no qual se prescreve uma conduta. Quando tem caráter jurídico, é acompanhada de uma sanção, imposta pela sociedade. Com relação à forma enunciativa, a norma pode ser oral ou escrita e recebe no último caso a denominação de lei. Toda sociedade humana, desde as formas gregárias mais rudimentares, vive sob um vasto emaranhado de normas da mais variada natureza. Rara é a atividade consciente que não se submete a uma regra preestabelecida. Preceitos religiosos, máximas filosóficas ou princípios éticos, prescrições técnicas, uso, ritos, costumes, imposições da moda, fórmulas de comportamento social, ordenações de toda espécie constituem um amplo e complexo sistema destinado ao controle da conduta humana. O requisito do preceito justo exige que a lei não se faça em contradição com o direito natural. O tribunal de Nuremberg, ao fim da segunda guerra mundial, teve, por exemplo, que defrontar-se com uma grave contradição, entre uma lei positiva (a da Alemanha nazista) e os princípios de justiça em que se baseia o direito natural. Os atos cometidos ao amparo da lei positiva haviam sido tão contrários ao direito natural, aos mais elementares princípios de justiça, que foi preciso criar a figura delituosa do crime de guerra para conciliar, ainda que a posteriori, o direito com a lei. A força obrigatória e a sanção que a acompanha é que dão à norma jurídica -- ou lei, em sentido amplo -- a intensidade especial que a distingue dos demais cânones estabelecidos para reger a atividade humana. As sanções de cunho religioso ou moral, a repulsa social e o conseqüente descrédito pessoal são imposições de valor relativo, condicionados à veemência das convicções ou hábitos de cada um, ou às reações da própria sensibilidade. As sanções de ordem jurídica, porém, se impõem ao infrator da regra de modo objetivo, uniforme e irretorquível: são dotadas de força material e podem atingir os bens do indivíduo e a própria liberdade pessoal. Características da lei. Além de justa, a lei deve ser geral, isto é, estabelecida de modo permanente para um número indeterminado de atos e cometimentos; e obrigatória, ou seja, conter um mandado, positivo ou negativo, revestido de uma sanção. Portanto, em toda lei distinguem-se duas normas: a primária, que proíbe ou autoriza uma conduta, e a secundária, que estabelece a sanção para quem infringe a primeira. Em razão de seu conteúdo, a lei pode ser substantiva ou processual. A lei substantiva regula aspectos que afetam, criam ou modificam relações básicas da sociedade: lei de sociedades anônimas, leis do trabalho, lei de sucessão, lei de divórcio, etc. A lei processual estabelece, de modo sistemático e formal, as etapas que se sucedem em todo processo jurídico. Assim, enquanto as leis processuais constituem a soma das regras promulgadas para assegurar o cumprimento dos direitos e obrigações por meio dos tribunais, as leis substantivas estabelecem direitos e obrigações. Visto que as leis processuais são um meio para fazer cumprir as leis substantivas, haverá tantas classes de leis processuais quantas leis substantivas existam (civis, comerciais, fiscais, trabalhistas, penais etc.). Promulgação da lei. O processo pelo qual a lei se estabelece depende da organização política do estado. Nos países democráticos, a lei é formulada, debatida, votada e promulgada pelos órgãos constitucionais correspondentes (um Parlamento, com uma ou duas câmaras), isto é, pelo poder legislativo. Nos países autoritários, a função do poder legislativo na elaboração da lei é nula ou meramente formal, já que todas as faculdades efetivas são reservadas ao poder executivo. Em todos os países, para casos excepcionais, adotam-se procedimentos também excepcionais ou de contingência. Ainda que, em sentido estrito, receba o nome de lei somente a norma aprovada pelo poder legislativo, em sentido amplo também assim são denominadas as normas jurídicas emanadas do executivo e outras instâncias políticas competentes. Para distinguir essas normas daquelas que são aprovadas nas câmaras legislativas, atribuem-se-lhe os nomes de decreto-lei, decreto, ordem, resolução, medida provisória etc., conforme o país, a importância e o alcance da medida. Cabe ao jurista a tarefa de interpretar a lei, para dela extrair a norma jurídica. No caso de pleito ou litígio, são três as partes que interpretam os feitos e a aplicação da lei: a acusação, que pode ser pública (promotoria) ou privada; a defesa, que igualmente pode ser pública (de ofício) ou particular; e o juiz, que, depois de ouvir a acusação e a defesa, dita a sentença. Nos países em que existe a instituição do corpo de jurados, cabe a este pronunciar-se sobre a culpabilidade ou inocência, e ao juiz a decretação da pena. Classificação. O ordenamento jurídico de cada país, ou sistema de leis, é um conjunto de normas que variam quanto a sua prevalência, âmbito, forma, natureza e efeitos. Normas constitucionais próprias são aquelas que estabelecem a estrutura do estado, regulam a formação e extensão dos poderes e definem os direitos políticos individuais; normas constitucionais impróprias são as que regulam outros assuntos e que, por ocasional conveniência, estão incluídas no ordenamento constitucional. Normas orgânicas ou complementares são as que regulam preceitos constitucionais, ou estruturam órgãos de criação constitucional. Leis ordinárias -- ou simplesmente leis, em sentido estrito -- são as que se estabelecem pelo legislativo comum, não investido de poder constituinte. Regulamentares são as normas estabelecidas, geralmente pelo poder executivo, para reger a execução das leis ordinárias. As normas jurídicas são nacionais, regionais ou locais, conforme se destinem a todo país, a uma determinada região ou a um núcleo localizado de população. No sistema brasileiro tal classificação corresponde, respectivamente, às normas federais, estaduais e municipais, pois tanto a União como os estados e os municípios são providos de órgãos com atribuição e autoridade para o estabelecimento de normas obrigatórias, dentro das respectivas circunscrições e segundo um sistema de competência fixado no próprio ordenamento constitucional. Quanto ao âmbito pessoal, lei comum é que se impõe a todos, indistintamente, e lei particular a que se destina a determinada classe de pessoas. As normas são ainda gerais e especiais, conforme digam respeito à conduta ordinária ou a determinadas relações de natureza peculiar. As normas jurídicas podem tomar forma imperativa ou facultativa. No primeiro caso são preceptivas ou proibitivas, conforme estabeleçam regras positivas ou regras negativas de ação; no segundo caso, são permissivas ou são supletivas, se autorizam a agir de certo modo ou substituem a vontade não declarada do indivíduo. Norma interpretativa é a que explica ou aclara outra norma. Relativamente ao efeito que produzem -- e nisso está o caráter distintivo das normas jurídicas -- elas são penais, irritantes ou inabilitantes: cominam pena ao seu transgressor; ou declaram nulo o ato proibido, se praticado; ou, finalmente, estabelecem incapacidade para determinado ato. Vigência e atuação. É princípio expresso do direito brasileiro o de que a lei, se não se destinar a vigência temporária, permanece em vigor até que outra a modifique ou revogue. Além do caráter permanente ou temporário, a vigência de uma lei pode ter natureza meramente transitória. Isso se dá quando sua vigência se extingue com a incidência, vale dizer, destina-se a reger um fato determinado que não se repetirá. Sua aplicação, uma vez verificada a hipótese, exaure necessariamente o próprio conteúdo da lei. O início da vigência da lei, seja permanente ou temporária, ocorre em todo o país, salvo disposição expressa em contrário, 45 dias depois de sua publicação oficial. Nos países estrangeiros a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, começa três meses depois de oficialmente publicada. O espaço de tempo que medeia entre a publicação e a entrada em vigor é comumente designado pela expressão latina vacatio legis. A nova publicação da lei, durante a vacatio, para correção de seu texto, faz recomeçar a contagem do prazo. A correção, quando posterior à vigência, considera-se lei nova. Por uma ficção jurídica necessária, a publicação da lei faz supor seu pleno conhecimento, pois ninguém pode deixar de cumpri-la alegando que não a conhece. E, uma vez em vigor, tem efeito imediato e geral, isto é, só não atinge as situações jurídicas definitivamente constituídas. Por força de garantia expressa na constituição federal, a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Direito adquirido é o que já pode ser exercido por seu titular, ou aquele cujo começo de exercício apenas dependa de tempo ou condição já prevista e inalterável; ato jurídico perfeito é o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou; coisa julgada é a relação jurídica que já foi objeto de decisão do poder judiciário, em única ou última instância, ou a respeito da qual já não cabe recurso. A revogação de uma lei, quanto a seu efeito, pode ser total (ab-rogação), ou parcial (derrogação), caso a atinja no todo ou apenas em parte. A revogação será expressa quando a lei nova o declara, ou tácita, isto é, quando a lei posterior, sem a declarar revogada, é, entretanto, incompatível com a anterior, ou quando lhe regula inteiramente a matéria de que tratava. São, ainda, princípios básicos no sistema brasileiro: (1) a lei nova, estabelecendo disposições gerais ou especiais a par das existentes, não revoga nem modifica a anterior; (2) a lei revogada, salvo disposição em contrário, não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. Os princípios acima referidos se destinam à solução dos chamados conflitos intertemporais da lei. Para resolver os conflitos de leis no espaço, isto é, entre leis de diversos países, o sistema brasileiro fixa as seguintes regras: (1) a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família; (2) para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, será aplicada a lei do país em que estiverem situados; (3) para qualificar e reger as obrigações, se aplicará a lei do país em que se constituírem; (4) a sucessão por morte ou ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens; (5) as organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do estado em que se constituírem; e (6) a prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça. Cabe ao interessado, no entanto, em qualquer caso, fazer a prova do texto e da vigência da lei estrangeira que invocar. Incidência. Como as leis se destinam a regular fatos humanos, sua incidência só ocorre relativamente a situações existentes em casos concretos de ação, omissão ou opção, desde que nelas previstos. A norma jurídica, portanto, somente pode tornar-se eficaz de dois modos: pela conformidade espontânea do comportamento individual de cada um ou coletivo dos grupos -- não importa qual seja o motivo dessa submissão -- ou pela ação efetiva dos órgãos ou agentes do poder público encarregados de compelir os recalcitrantes àquela conformidade. Embora por força da publicação oficial se considere conhecida a lei aplicável a cada situação que se apresente ou fatos previstos, nem sempre é fácil saber quando e como o acontecimento humano em curso incide na hipótese legal prefigurada. Por isso, para assegurar a efetiva incidência da lei, dispõe o estado de vasta aparelhagem pessoal e material, destinada a fiscalizar e orientar, preventivamente, e, se necessário, repor os acontecimentos dentro da ordem predeterminada, ainda que mediante o emprego de força material adequada. Além disso, quando a própria lei o estabelece, ou quando se suscita controvérsia sobre a incidência de determinada norma jurídica ou a respeito da existência ou caracterização do fato nela previsto, a aplicação da lei ao caso concreto fica a depender de ato administrativo da autoridade competente ou de decisão proferida por órgão do poder judiciário, se a ele recorre o interessado. Assim, excetuados os casos em que a atividade humana se comporta espontaneamente dentro da regra estabelecida -- o que ocorre na imensa maioria das vezes -- a ordem jurídica só se torna ativa, atuando eficientemente em cada caso concreto, por força de ordens e mandados e mediante atos de pura execução, a cargo de agentes do poder público, devidamente credenciados. Torna-se, nesse caso, efetivamente compulsória, revelando a coatividade específica de que é dotada. Interpretação. Para que se efetive uma incidência tanto quanto possível perfeita, é necessário, além da adequada caracterização do caso concreto e de suas circunstâncias juridicamente significativas (questio facti), interpretar a lei vigente em seu conteúdo, essência e alcance (questio juris). Chama-se hermenêutica jurídica a teoria científica dessa interpretação: a extensiva, a restritiva e a analógica. A interpretação diz-se extensiva quando por ela se obtém a inclusão de situações ou fatos que se possam considerar compreendidos na hipótese, mais ou menos genérica, prefigurada na lei. Diz-se restritiva quando, mediante processo inverso, se excluem situações ou fatos que, aparentemente, estariam abrangidos na lei. Há duas subespécies de interpretação analógica: a adaptação ao fato examinado de dispositivo legal regulador de caso semelhante (analogia legal), ou, se não existe dispositivo regulador de caso semelhante, a dedução lógica de uma regra adequada, com base em princípios gerais do sistema (analogia jurídica). A interpretação analógica, porém, quando transcende os limites do que esteja implícito no sistema legal interpretado, passa a ser um meio de revelar as próprias fontes subsidiárias não escritas do direito. Quanto à origem, a interpretação pode ser autêntica, jurisprudencial, administrativa e doutrinária. É autêntica a interpretação que se originou da mesma fonte de que emana a regra interpretada e se reveste da mesma forma legal. Tal interpretação constitui a substância das chamadas leis interpretativas. Chama-se jurisprudencial a interpretação mais ou menos uniforme, adotada pelos órgãos do poder judiciário ao decidir casos anteriores semelhantes. Embora a jurisprudência não tenha, no sistema brasileiro, caráter obrigatório, o entendimento reiterado dos tribunais constitui, sem dúvida, segura indicação de como deve ser compreendida a lei. Interpretação administrativa é a que resulta da maneira pela qual costumam aplicar a lei os órgãos do estado não integrados no poder judiciário. É chamada doutrinária a interpretação dada à lei por tratadistas especializados e jurisconsultos. Seu valor, entretanto, decorre, unicamente, do saber, reputação e prestígio intelectual dos respectivos autores. Quanto ao processo adotado, a interpretação pode ser filológica, lógica e sistemática. A interpretação filológica, ou literal, tem por fim revelar o significado exato do texto legal aplicável à espécie examinada. São suas auxiliares necessárias a semântica e a sintaxe, que fornecem o sentido gramatical das palavras e das proposições em que figuram. Mas o entendimento da letra da lei, embora mostre seu conteúdo e seja imprescindível na hermenêutica jurídica, é freqüentemente insuficiente para revelar toda a essência da norma que se discute. É necessário indagar qual o espírito da lei, seu verdadeiro sentido e o alcance que possa ter. É a isso, exatamente, que visa a interpretação lógica, propriamente dita. É princípio expresso no direito brasileiro que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Disso decorre que a interpretação lógica se desdobra em sociológica, quando leva em conta as condições do meio em que a lei deve atuar, e em teleológica, quando procura ajustá-la a sua própria finalidade. O processo lógico de interpretação da lei tem, pois, grande importância, e deve prevalecer sobre o puramente literal. A interpretação sistemática vale-se dos processos histórico e comparativo. Pelo primeiro deles se apura, por meio do exame da elaboração legislativa, qual teria sido a verdadeira intenção do legislador. É assente porém que não se deve sobrepor a mens legislatoris à mens legis. Pelo processo comparativo visa-se a tornar evidente o que se chama a filosofia do sistema, quer pela comparação da lei examinada com as demais normas que o integram, quer pela comparação que se faz entre diversos sistemas jurídicos similares. Equipe Portal Jurídico

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