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segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

EXECUTIVO versus JUDICIÁRIO

A Medida Provisória n.º 1.570/97 provocou grandes alaridos vindos de diversos setores da sociedade e dos próprios poderes envolvidos, o Judiciário e o Executivo. Uma leitura atenta dos pouquíssimos artigos da medida, na verdade três, revela que ela contém medidas na maior parte atualizadoras de leis recentes, dentro de nossa tradição jurídica, sendo que quando inova, o faz para, com muita justiça, impor um certo equilíbrio entre os conflitos de interesses que se estabelecem entre quem pleiteia uma liminar e o Poder Público que a sofre. Preliminarmente, temos que consignar que impor limitações ao uso de liminares é praticamente contemporâneo à própria criação do instituto. As liminares nasceram para atender a situações de extrema especificidade, nas quais o administrado se afigurava como o requerente de algo que só lhe poderia ter efetivo valor se concedido incontinenti, e não ao final do processo. Ademais, elas eram concedidas sem prejuízo para o Poder Publico. Quando o prejuízo surgiu, logo com o II pós-guerra, na importação e desembaraço de veículos automotores, surgiram as primeiras leis proibitivas da concessão de liminares com efeitos alfandegários (como foi a Lei nº 2.770/56). Outro ponto a ser observado é que o mandado de segurança, que era a sede processual onde se obtinham as liminares, e que foi sendo gradativamente moralizado pelo legislador, por meio de sucessivas leis que disciplinaram e moderaram sua utilização, foi simplesmente abandonado, em favor de uma série de outras medidas, em especial a medida cautelar inominada, que passaram também a contar com a possibilidade de liminares, mas sem as restrições e condicionamentos estabelecidos com relação ao mandado de segurança. Novamente, o legislador teve de conter, para usar as palavras do Ministro Sepúlveda Pertence, "a manifestação daquele entusiasmado e bem intencionado abuso da cautelar inominada". Eis que surge então, com a reforma processual civil de 1.994, o instituto da tutela antecipada. O que fez, então, a Medida Provisória sob comento? Simplesmente estendeu a esta nova medida as proibições já constantes de leis anteriores a hipóteses que são semelhantes, já que a tutela antecipada apresenta nitidamente a natureza cautelar. Parece óbvio que, se algo não há de ser obtido liminarmente pela via do mandado de segurança ou da cautelar, também não o deva ser por outra via processual. Em linguagem comum, isto é exatamente o que estabelece o art. 1º da Medida Provisória que se analisa. O art. 2º, reconhece-se desde logo, inova, e o faz para melhor. A medida de urgência, liminar ou antecipação da tutela, para que possa ser um instrumento real de justiça, tem de prestar-se a evitar um dano para ambas as partes, é dizer, o particular e o Poder Público. A medida judicial liminar que empurre o dano para só um dos lados não faz jus à sua existência e, consigne-se também, com muito maior razão, não pode ela transformar-se num elemento de transferência de danos pessoais para o patrimônio público. É por isso que, para que caiba essa medida extraordinária, é necessário examinar-se se está o requerente sob a possibilidade de sofrer um dano que a sentença final não terá possibilidade de reparar e, mais do que isto, se uma vez concedida esta liminar, terá o seu beneficiário condições de devolver os benefícios e os bens que houve por força da medida de que se beneficiou, não confirmada pela sentença. Parece justíssimo que assim se imponha, e é ao que procede o §2º da Medida Provisória, exigindo para as hipóteses em que possa a Administração sofrer o dano da concessão de uma liminar que ao depois não se confirme, possa ela recompor seu patrimônio mediante a caução que o artigo exige, é dizer, o depósito do valor em disputa ou o compromisso de alguém idôneo em resgatar esse débito, medida de supino equilíbrio e temperança. O art. 3º da Medida vem dizer o que de certa forma é o óbvio, pois as sentenças dos juízes só têm eficácia contra terceiros nos limites de atuação do seu órgão. Entendimento contrário é que seria absurdo: um juiz federal de Fortaleza conceder uma tutela antecipatória a ser cumprida no Rio Grande do Sul. Vê-se, pois, que nada de revolucionário nem de profundo foi editado, que pudesse justificar uma troca ríspida de argumentos entre os envolvidos. É fácil perceber-se que por trás disso está um fato que chega a ser mesmo político, referente ao pagamento dos 28% de aumento aos funcionários civis da União, irresponsavelmente concedidos no final de mandato de um Presidente que não primou pela economia com os gastos públicos, e nem com a constitucionalidade, porque evidentemente, por ter dado esse aumento aos militares, estaria obrigado pela Constituição a estendê-los aos civis. Portanto, o desastre já foi praticado. Cumpre repará-lo. Mas, tenho para mim que a função do Supremo Tribunal Federal é a de encontrar a solução justa para o caso, e a justiça do Supremo é aquela que se calca na Constituição, mas se estende até a política. Um ato jurídico justo não pode levar ao impossível e nem ao desastroso, que é o que na melhor das hipóteses, ocorreria com o pagamento imediato de 28% de aumento. A medida presidencial de nenhuma forma significa o fechamento do acesso ao Judiciário, eis que permanece perfeitamente aberta essa via para a reclamação do funcionário lesado. Simplesmente há de se entender que este pleito há de compatibilizar-se com medidas processuais adequadas, e que não criem o caos financeiro, para cujo banimento o país já pagou um grande preço. O que se espera é que o Supremo cumpra o seu papel de resolver os conflitos entre os poderes, o que implica que ele saiba se manter sempre fora do próprio conflito, sob pena de termos a anarquia institucional, porque não existe um terceiro órgão capaz de juridicamente resolver um conflito entre o Executivo e o Judiciário. Alguém dirá então que a solução é fácil: o Judiciário dita e o Executivo cumpre. Temos que esta é mesmo a regra a prevalecer nas questões corriqueiras. Mas quando elas dizem respeito ao próprio destino de toda uma política econômico-financeira, os argumentos do Executivo têm legitimidade suficiente para serem absorvidos pelo Judiciário no processo de decisão final. Aliás, no momento nada se pede de ilegal ou inconstitucional ao Judiciário. Pede-se somente uma interpretação razoável da Medida Provisória, de tal sorte a não ser inutilizada como instrumento de harmonização entre interesses, tendo em vista que até ulteriores reformas constitucionais, tem ela força de lei no país. Equipe Portal Jurídico

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